Capitalismo
26/3/2012 - 06h00
por
Roberto Amaral*
Não sei se o mais adequado é
falar de “desindustrialização” ou em “retorno ao primarismo”. O fato é que
somos cada vez mais produtores de matérias-primas e de suas exportações
dependentes para salvar a balança comercial. Dependência perigosa do ponto de vista
estratégico, se pensarmos no futuro do país. E ainda mais perigosa se pensarmos
no curto prazo, pois a tendência mundial, alimentada pela crise global do
capitalismo, é, com a queda geral da demanda, a inevitável queda dos preços das
commodities (consultores de mercado internacional estimam em 10% a queda
dos preços da soja, da carne, do açúcar e do café nas bolsas de mercadorias).
Quando um país reconhece que está em recessão (Itália e Espanha), ou, como a
China de nossos dias, anuncia que vai controlar (leia-se reduzir) seu nível de
crescimento (que dos fogosos 10% de tantos anos agora é projetado em 7,5%), ele
está dizendo que vai comprar menos insumos. O outro lado da moeda é o que nos
diz respeito, pois sua tradução é que venderemos menos, e se venderemos menos,
teremos menos receita.
Tudo isso ocorre quando as chamadas grandes economias (Estados Unidos,
China e Alemanha à frente) aumentam o cardápio de suas medidas protecionistas,
adotam políticas comerciais agressivas (de que são alvo os “emergentes”, isto
é, nós) e o grande irmão do Norte inunda o mercado com dólares impressos sem
lastro que deságuam nos países emergentes (de novo eles), agravando a crise
cambial, caso específico brasileiro. Aqui, um real artificialmente
sobrevalorizado estreita as margens de nossas exportações (de manufaturados,
principalmente, mas também de commodities) e arromba as portas de nosso
mercado interno para as importações de produtos industrializados, numa
concorrência desleal com a produção nacional. Esta sofre com os juros altos,
altíssimos (os maiores do mundo) ainda que em queda, e com problemas
estruturais que deitam raiz na origem no ciclo de desenvolvimento dos anos
1950, e o modelo de industrialização tardia adotado, apoiado na importação de
fábricas de baixo emprego de tecnologia ou de tecnologia ultrapassada (o bom
exemplo são sempre as montadoras e suas “carroças”). Em outras palavras: o
futuro imediato aponta para a associação dos preços mais baixos das commodities
com as importações em patamar elevado, donde um saldo comercial crescentemente
estreito.
E não poderia ser diferente, pois nossas exportações de produtos
primários superam as de manufaturados. No ano passado, informa Luiz Guilherme
Gerbelli (OESP, 11/3/2012), “apenas seis grupos de produtos – minério de ferro,
petróleo bruto, complexo de soja e carne, açúcar e café – representaram 47,1%
do valor exportado. Em 2006, esta participação era de 28,4%”.
Mas, infelizmente, esta ainda não é a verdade toda. O Brasil é o maior
exportador mundial de café em grão, e a Alemanha, que não produz um só grama, é
o maior exportador mundial de café solúvel; a Itália, o maior exportador de
máquinas de fabricação da bebida e criador de variadas formas de seu preparo. O
Brasil exporta pedras preciosas para importá-las lapidadas. Paro nesses dois
exemplos escolhidos ao acaso, pois a listagem seria interminável.
Na listagem de Gerbelli está o petróleo, mas o petróleo bruto! Este
despautério é uma das heranças do neoliberalismo e do fim de investimentos pela
Petrobras no refino, política de lesa-pátria dos Fernandos só corrigida no
governo Lula, com o atual programa de ampliação e construção de novas
refinarias. Mas, qual a política para a era do pré-sal? Ao contrário do que
mais preocupa a imprensa ligeira e alguns governadores, a questão menos
relevante é a distribuição dos royalties, em torno da qual tanto brigam.
O essencial é saber se nos conformaremos em ser grandes exportadores de óleo
bruto, como um Iraque, um Irã, uma Arábia Saudita, uns Emirados Árabes. Qual
será nossa política? Eis o que precisamos discutir já e com atraso.
A questão que aflige a produção brasileira de manufaturados,
especialmente de bens de consumo, é menos de sobrecarga fiscal e mais de
política industrial, que precisa ser concebida dentro de um projeto de retomada
do planejamento público. Mais Ministério do Planejamento e menos Tesouro
Nacional. Não conheceremos o crescimento (com bem-estar social) de que
carecemos, nem ele será sustentável se, puxada a economia pelo Estado, não
investirmos pelo menos 25% do PIB.
Queiram ou não os oráculos do neoliberalismo.
O industrial brasileiro, que jamais conheceu o pioneirismo (Mauá, o
grande símbolo de empreendedorismo, era um dependente de concessões de serviços
públicos e por isso mesmo atrelado à banca do Império), ora é um associado de
multinacionais, ora um rentista do BNDES, o sócio capitalista de nossos
capitalistas. A regra é esta, quando se trata de empreendimento que exijam alto
emprego de capital, algum nível de risco ou lenta maturação, o erário entra com
o capital e o empresário privado – isto é, o grande empresário –, com o lucro.
O orgulhoso agronegócio deve ao Banco nada menos de R$ 13 bilhões e muito mais
de R$ 100 bilhões à carteira agrícola do Banco do Brasil. Mantém uma custosa
bancada de “deputados ruralistas” para, além do lobby legítimo, impor à
União, periodicamente, a anistia de suas dívidas. Como sempre: prejuízo
socializado, lucro privatizado.
O grande problema do capitalismo brasileiro é exatamente este, a
ausência de capitalistas, e o que nos salva é exatamente a existência de um
Estado ainda indutor do desenvolvimento (em que pese a insistente cantilena das
grandes empresas de comunicação de massa). No plano industrial, o pouco ou
muito que temos inexistiria se não houvesse o BNDES; no plano agrícola, nossos
empresários dependem da Embrapa (investimento do Estado em pesquisa) e da
carteira agrícola do BB, que vive levando beiço de seus rentistas. No plano da
tecnologia e da inovação, nada teríamos logrado sem o MCT, o CNPq, a Finep e as
agências estaduais de fomento, como a Fapesp.
Enquanto a necessidade não cria nossos capitalistas, cabe ao Estado
retomar com força seu papel desenvolvimentista, controlar o câmbio, aumentar os
mecanismos de proteção de nosso mercado, cujo bom sinal é a renegociação com o
México do acordo de importação de veículos, aumentar os custos das importações
(e para elas adotar critérios seletivos) e conservar a atual política de queda
de juros. E, para maior irritação da direita impressa, acelerar o processo de
distribuição de renda, que compreende o contínuo aumento dos salários em geral
e do salário mínimo de forma especial. País rico é aquele que exporta os
excedentes não absorvidos pelo consumo interno, que é tanto maior quanto mais
justa seja a sociedade.
* Roberto Amaral é secretário-geral do PSB.
** Publicado originalmente no site Carta Capital e
retirado da Adital.